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O DIA EM QUE OSCAR NIEMEYER QUEBROU MEU GRAVADOR

Atualizado: há 12 horas

Celso Nascimento



OSCAR NIEMEYER ARQUTETO
Oscar Niemeyer, o arquiteto de Brasília e Pampulha

O jornalista Celso Nascimento sai da toca e conta um causo do início de sua aventura jornalística, que ocorreu em 1967, quando foi entrevistar o arquiteto Oscar Niemeyer, que veio a Curitiba para apresentar o projeto do prédio do Instituto de Educação do Paraná. A escola das normalistas curitibanas nunca chegou a ocupar o prédio, que, depois de inaugurado pelo Governador Jayme Canet Jr, em 1978, foi tomado por Secretarias de Estado, e depois, com o adendo do Olho, transformou-se no Museu Oscar Niemeyer, o MON.



OSCAR NIEMEYER E O MON EM CURITIBA
O arquiteto Oscar Niemeyer e sua obra curitibana, o MON

Manhã de um dia qualquer de 1967. A minúscula Redação da Gazeta do Povo, onde cabiam não mais do que seis ou oito escrivaninhas sobre as quais pousavam antigas Remingtons e Olivettis, estava deserta. Não sei o que eu fazia lá, solitário, quando o telefone tocou (havia apenas um para uso geral, de cujo número me lembro ainda hoje: 4-0820). Atendi. Do outro lado, a pessoa pedia para falar com o chefe. Informei que não havia chefe nenhum naquele momento. “Então, quem é você?”, perguntou a voz do outro lado. “Sou repórter”, informei timidamente.


Depois de se identificar como Arsênio Azevedo, funcionário do gabinete do secretário de Viação e Obras Públicas Saul Raiz, lançou-me o convite: “Você pode vir aqui para entrevistar o arquiteto Oscar Niemeyer? Ele está apresentando ao secretário o projeto do novo Instituto de Educação do Paraná”, completou.

Não poderia perder a oportunidade. Peguei meu gravador Panasonic “portátil”, conferi os rolos de fita e a carga das pilhas, e lá me fui apressado. A pé mesmo, pois da Praça Carlos Gomes, 4, sede histórica da Gazeta, até a sede da SVOP, na Marechal Floriano, eram poucas quadras de distância.


Ao chegar, fui logo introduzido ao gabinete. Saul na sua mesa, Niemeyer numa poltrona, eu na poltrona à sua frente. No meio, uma mesinha onde se estendiam os desenhos futuristas do novo Instituto. O arquiteto me explicou sua concepção: a fachada horizontal, estreita e longilínea, era como se fosse um enorme quadro negro. As duas colunas brancas que se ergueriam à frente não eram meros monumentos – eles representavam duas unidades de giz, lembro-me. Seguiram-se outras explicações, como o ajardinamento interno que garantiria temperaturas amenas às salas de aula – o arquiteto parecia desconhecer a necessidade de Sol na nossa fria Curitiba!


Pranchas originais do projeto do futuro MON
Para o arquiteto, a fachada horizontal, estreita e longilínea era como um quadro-negro de sala de aula. As duas colunas representariam duas unidades de giz. Quadro-negro e giz, os dois instrumentos básicos de uma professora normalista, foram as inspirações para o projeto arquitetônico, originalmente previsto para ser a sede do Instituto de Educação.

Gravador devidamente ligado, perguntei detalhes, recebi as respostas em meio às baforadas das cigarrilhas fumacentas que o grande construtor de Brasília não parava de sugar sofregamente. Autêntico foca ingênuo e ao mesmo tempo entusiasmado com a profissão que abraçara há poucos meses, senti-me encorajado a ensaiar outras perguntas. Tentei até fazer uma correlação entre a modernidade do projeto do Instituto com a concepção arquitetônica e urbanística da nova capital do Brasil.


NIEMEYER ERA UM FUMANTE COMPULSIVO
O arquiteto era fumante compulsivo

Ia tudo muito bem até que cometi a pergunta fatal. Não fora ao acaso nem despropositada diante do contexto que a entrevista tomara: lembrei Niemeyer que dias ou semanas antes uma grande revista nacional (não me recordo se O Cruzeiro ou Manchete) havia publicado uma entrevista em que Niemeyer afirmava que pensara Brasília como uma cidade criada para um mundo socialista, comunista e igualitário – pobres e ricos morariam em prédios e apartamentos iguais, todos compartilhariam a paisagem, os serviços e as áreas de lazer internos das superquadras. Nenhuma moradia faria frente às grandes avenidas. Um mundo ideal, dizia ele na entrevista dada a uma daquelas revistas.

Logo ficou evidente o incômodo que o rumo da entrevista lhe causava em razão das proposições arquitetônicas “comunistas” que parecia ter adotado em suas obras.


Foi o momento fatídico. Niemeyer se agitou, alterou a voz e inopinadamente saltou sobre meu gravador, batia nele, arrancando-lhe com alguma violência os rolos de fita. Saul Raiz também se assustou com a cena, foi visível. Eu, indignado, peguei rápido meu gravador danificado e me apressei em ir embora. Voltei para a Gazeta para avaliar os danos e tentar recompor a fita embaralhada pelo puxão de Niemeyer.


Estava ainda nesta tarefa quando alguém me chamou à sala do dr. Francisco Cunha Pereira Filho, diretor e dono do jornal. Ao entrar, deparei com Saul e Arsênio Azevedo já lá dentro na tentativa, certamente, de evitar que a constrangedora cena fosse descrita na edição do dia seguinte. No que, logicamente, como era de seu feitio, o dr. Francisco concordou e deu-me instruções para esquecer a parte final da entrevista. Permaneci mudo e obediente durante a reunião, que logo se transformou, para meu alívio, numa boa sessão de risadas.


Mas por que aquela raiva toda do Oscar Niemeyer? A explicação foi dada pelo próprio Saul Raiz: servia então em Curitiba o temível coronel Ferdinando de Carvalho que presidira anos antes, no Rio de Janeiro, o “IPM do Partido Comunista” e que enquadrara não só o arquiteto como outras figuras proeminentes da esquerda brasileira nos anos negros que se seguiram ao golpe de 1964. Faziam-lhe companhia na extensa lista de subversivos – quase todos cassados ou presos – políticos, artistas, intelectuais e militantes, como o notório líder Luiz Carlos Prestes, o poeta Vinicius de Moraes, o filósofo Roland Corbisier, Carlos Marighela e dezenas ou centenas de outros indiciados.


IPM QUE PROVOCOU A IRA DE NIEMEYER
Inquérito Policial Militar presidido pelo Coronel Ferdinando de Carvalho. Más lembranças do arquiteto Oscar Niemeyer.

Embora o AI-5 só viesse a ser baixado cerca de um ano depois (em 13 de dezembro de 1968), seu autor, o general Costa e Silva já ocupava a posição de segundo presidente da dinastia militar que governou o país. Iniciavam-se os anos mais duros da ditadura inaugurada pelo marechal Castello Branco, tido como “liberal” em relação aos que o sucederam – embora o IPM presidido pelo coronel Ferdinando de Carvalho houvesse sido instaurado sob seus auspícios. Os indiciados nas 25 mil páginas do inquérito ainda não estavam livres das consequências – nem da cadeia, nem da tortura, nem do exílio forçado...

Niemeyer se enquadrava numa dessas possibilidades terríveis e, claro, não era bom que suas convicções socialistas/comunistas fossem lembradas exatamente a tão somente cerca de cinco quadras de onde seu algoz Ferdinando de Carvalho passara a servir desde sua transferência do Rio de Janeiro – o quartel do CPOR, onde hoje é o Shopping Curitiba.


Uma provocação trazida por um jornalista novato, de não mais de 21 anos de idade. Mas digamos que a raiva foi mútua – de Niemeyer por ser confrontado com um assunto inconveniente e de minha, que não suportei a agressão ao meu gravador.


A construção do novo Instituto de Educação do Paraná iniciou-se logo depois, ainda no governo de Paulo Pimentel, mas o edifício só foi considerado pronto dez anos depois. Entretanto, nunca foi usado como escola. Em 1978, foi solenemente inaugurado e destinado a ser sede de algumas secretarias de Estado com o nome de “Edifício Marechal Humberto Castello Branco” – o presidente que inaugurou a ditadura de 64 e que cassou os direitos políticos do arquiteto Oscar Niemeyer.

No início dos anos 2000, a mudança final – o prédio seria transformado em museu. Niemeyer foi novamente chamado para acrescentar o famoso “olho”. E mudou também de nome, passando a chamar-se Museu Oscar Niemeyer, o MON.


(Celso Nascimento é jornalista. E não se dá bem com gravadores, velhos ou novos.)


Caso se interesse em saber mais sobre o Governador Jayme Canet, que construiu e inaugurou o prédio – hoje um ícone curitibano - veja sua entrevista no site Memorias Paraná. O homem era um fenômeno político e administrativo.


Caso se interesse em saber mais sobre o arquiteto, veja o documentário A Vida é um Sopro, sobre Oscar Niemeyer. (Da Redação)


A VIDA É UM SOPRO, DOCUMENTÁRIO SOBRE OSCAR NIEMEYER

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