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Os perigos da polarização


Inês Lacerda Araújo, professora e filósofa,  diante da polarização política no Brasil, lembra os ensinamentos de George Orwell em seu livro 1984.

Um ativista é morto com tiro no pescoço ao expor suas ideias em espaço universitário; movimentos de massa são comandados por palavras de ordem; um julgamento, tal qual juízo final é conduzido por salvadores da pátria; a pressão política vem camuflada sob argumentos jurídicos; extremistas se empurram, se acusam e acuam uns aos outros em campos opostos, como verdadeiros inimigos.


Em meio a esse caos em que tudo tem a aparência de ordem, até mesmo a clareza do raciocínio serve aos ideólogos, o argumento baseado em fatos sofre pressão, não custa voltar ao Grande Irmão do livro premonitório de George Orwell, 1984.


1984, livro de George Orwell, continua mais atual do que nunca, no país polarizado em que vivemos.

Citado, parodiado, enaltecido, merece ser lido ou relido. Tudo o que se conhece como civilização é destruído, há patrulhas em todo canto, a verdadeira força não vem dos exércitos e sim da conversão do pensamento e da linguagem. A Política do Pensamento, a invenção da Novalíngua que diz: Guerra é Paz, Liberdade é Escravidão, Ignorância é Força, empurra todos para a obediência, para a cegueira ideológica.




Vive-se em nosso país sob essa cegueira ideológica, que escraviza e compromete a integridade e a liberdade. Duas pontas de um mesmo cordão, a multidão insuflada e presa à imagem de liderança construída para se opor à outra imagem, de outra liderança, resultou em duas situações políticas, de direito e de fato, institucionalizadas, dois polos que se enfrentam pelo poder. Há mais ódio do que busca de entendimento, mais acusações mútuas do que sensatez e argumentos, mais lama jogada de um lado para o outro e arbítrio, do que compreensão baseada no justo meio, na inteligibilidade, na razoabilidade.


O condutor de massas, imbuído de missão salvadora, investido de uma mística, não é desvendado, não se aponta para suas fraquezas e insuficiências, e, principalmente, seus erros.

Investido dessa mística ele eleva o tom, e o clamor de multidões não cessa ao ponto da quebradeira que acabou por justificar e dar voz aos justiceiros. E pior, o tribunal que investigou e condenou esse messias, não fez justiça, ludibriou, controlou, manipulou. Consequência, a mística se fortalece, a multidão agradece pois sua causa fica demonstrada. Trata-se, é claro, do ex-presidente.


Acima de tudo e de todos foi imposta, votada, anunciada a versão final dos fatos pelos juízes que dão a cartada

final. Uma versão que agride o senso de justiça e que acaba por agigantar a mística: "tentar" deve ser entendido, na Novalíngua suprema, como executar, como ato realizado. O novo significado de "tentativa" é "realização". Assim, se alguém diz "tentaram roubar meu carro" = "roubaram meu carro"; "houve uma tentativa de escalar a montanha" = "a montanha foi escalada", e assim por diante.

Voltando à obra 1984, o Grande Irmão obrigou pessoas a trabalharem em versões diferentes dos fatos, selecionam uma ou outra, usam referências cruzadas "e então a mentira escolhida passaria para os registros permanentes e se tornaria verdade" (97-98).


Quem pacificará os ânimos? Como seria viver sem tutela? Qual o preço da idolatria? Quando a massa governável e manipulável acordará?


Inês Lacerda Araújo


Este artigo foi originalmente publicado no site filosofiadetododia, mantido pela escritora e filósofa Inês Lacerda Araújo.


Inês Lacerda Araújo é uma filósofa e acredita que a cegueira ideológica em que vive o país não vai acabar bem.

Inês Lacerda Araújo é uma filósofa e acredita que a cegueira ideológica em que vive o país não vai acabar bem.

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