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Foto do escritorManuel Rosa de Almeida

UM DANTE MENOR

Recomendação negativa de leitura


A leitura destas duas obras de Dante Alighieri deixa um travo de decepção…


Há certos textos, até mesmo certos autores… melhor seria não lê-los. A leitura traz um desencanto, rouba-nos a admiração que antes tínhamos, fruto do depoimento de outros. Isso já me aconteceu com Maquiavel. Quando li O Príncipe, Nicolau diminuiu de tamanho. Antes imaginava a obra como um farol do saber filosófico. Depois tornou-se, ao menos para mim, nada mais do que a adulação pequena de um burocrata a um tirano. Há quem se derreta por frases como é melhor ser temido que amado. Para mim, nada mais que um preceito da cartilha de tiranos de todos os tempos, tão óbvio quanto desprezível.


Dante não pode receber de minha humilde pessoa qualquer depreciação de escala, simplesmente porque ainda não li sua obra magna ( até porque, cá entre nós, quem sou eu para depreciar Dante!? ). Não posso formar uma opinião sem ler A Divina Comédia. Isso é claro. Mas a leitura de Vida Nova e Monarquia quebra as expectativas, deixa um travo de decepção e a certeza de estar lendo um Dante menor.


Vida Nova não é nada, na verdade. A tristeza de um amor platônico - totalmente platônico - e a sensação de desperdício. Eram outros tempos, talvez. Ainda assim, não é possível deixar de lamentar que alguém ame tanto outra pessoa - ou melhor seria dizer, ame a ideia de outra pessoa ( pois afinal Dante sequer conhece Beatriz, só a contempla de longe ) - e não faça sequer a tentativa de uma aproximação. Até que sua musa morre ( sim, as musas também morrem ) e tudo ficou tarde demais.


Além disso, embora seja considerado o primeiro e maior poeta italiano, em Vida Nova a poesia é fraca. Outros tempos, dirão novamente. Sim, perfeito, era o renascimento e os poetas ainda eram apenas menestréis que se fixaram numa cidade… Além disso, são os primeiros sonetos de um jovem de 18, 19 anos. Mas insisto. Poesia fraca. E pior: pontuada por comentários explicativos absolutamente desnecessários, como se o poeta reconhecesse que seus leitores eram completos parvos.



Monarquia é ainda pior, a começar pela sua pretensão: demonstrar a legitimidade da monarquia. Claro, tal como O Príncipe de Maquiavel, um projeto adequado a seu tempo, prudente e submisso afã de agradar o monarca. O problema é que o faz usando sofismas, conclusões a partir de meias-verdades e afirmações tolas, desprovidas de qualquer base. Assim, por



exemplo, Dante supõe que o monarca é o único que está completamente apto a governar porque está imune à cupidez. Ora, quem disse? A cupidez não se exaure na posse de muitos bens, mas alimenta-se neles e torna-se ainda mais voraz. Claro, Dante nunca ouviu falar de Imelda Marcos, mas com certeza ouviu falar do mito do rei Midas. A posse de fortunas não torna uma pessoa humilde.


Vejam alguns outros exemplos de tolices:


  • Toda humanidade se ordena a um fim único. É preciso, então, que um só coordene.

  • O que se adquire por duelo é adquirido legitimamente.


Para fortalecer argumentos sobre a legitimidade do monarca, põe-se a divagar na legitimidade do domínio exercido pelo Império Romano em seu auge. Mais absurdos surgem a partir daí:


  • Afirmo, então, que foi por direito e não por usurpação que o povo romano adquiriu a monarquia, isto é, o império sobre todos os mortais.

Partindo da ideia antes lançada de que aquilo que se adquire por duelo é adquirido legitimamente, compara a guerra a um grande duelo, onde a Divina Providência faz o papel da Justiça. E citando exemplos históricos em que a fortuna favoreceu Roma ( como a fuga de Enéas - esta apenas um mito - e a invasão do Capitólio ) afirma peremptoriamente:


Foi ajudado por milagres que o império atingiu a perfeição, o que significa que, querido por Deus, foi e é legítimo.


O auge de sua peroração por Roma e pela Monarquia é apelar à Bíblia, aos textos sagrados. Àqueles que afirmam Roma como uma máquina de guerra avassaladora que tripudiava sobre nações pela absurda disparidade de forças, antepunha exemplos como de Davi vencendo Golias e recorria ao mito clássico no exemplo de Hércules vencendo Anteu. E conclui estultamente: Estulto é considerar inferiores as forças daqueles que Deus sustenta.


Nas últimas páginas, as tolices atingem o ápice. Como sabemos, nos tempos de Otávio Augusto, determinou-se um Edito de recenseamento do Império Romano. Foi por tal motivo que José e Maria deixaram Nazaré para dirigir-se a Jerusalém. Cristo nasceu próximo a Jerusalém, em Belém. Dante afirma que Cristo nasceu sob o domínio romano, defendendo a ideia, singularíssima, de que Cristo quis nascer sob o governo de Augusto e a autoridade romana, porque quis compor entre os homens do censo ordenado por Augusto por um Edito.


  • Cristo, pelo seu ato mesmo, afirma, então, a justiça do Edito daquele que agia em nome dos romanos - Augusto. E como um Edito justo implica uma jurisdição legítima, resulta que Cristo, dizendo justo o Edito, dizia justa a jurisdição romana.


São coisas desse naipe, sofismas absurdos, que tornam o texto infantil, quase intragável. Interessante que, em determinado momento, Dante faz o alerta de Aristóteles aos maus pensadores: estes aceitam o falso e silogizam indevidamente. Deveria ter feito o alerta para si mesmo.


Por tudo isso, caro leitor, preserve sua admiração por Dante abstendo-se da leitura de Vida Nova e Monarquia. Aguarde, sabiamente, pela Divina Comédia.


Dante Alighieri - Nascido em Florença em 1265, falecido em Ravena em 1321. É considerado um gênio e uma inspiração para poetas de todos os tempos.


Vida Nova e Monarquia - Dante Alighieri - Coleção “Os Pensadores” - Volume IX - Editor Victor Civita - São Paulo - 1ª Edição, 1973.


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