CAMINHANTE CEGO
- Hatsuo Fukuda

- 25 de mai.
- 3 min de leitura
Curitibanices
Com a mente no passado, o caminhante não vê o que está à sua frente.

A Travessa Tobias de Macedo na década de 40 - Imagem de Curitiba.
O eterno caminhante curitibano sai atrás de barbatanas. Como sabem todos, as barbatanas que guarnecem as camisas dos advogados costumam se perder no Triângulo das Bermudas das Barbatanas. É um local tenebroso, no qual barbatanas descuidadas (ou aventureiras) costumam encontrar o seu destino final, com isso deixando desconsolados e desalinhados os advogados que as usam.
Vou à Casa Bandeirantes, na Rua Tobias de Macedo, loja de armarinhos tradicional, em que velhas e novas barbatanas costumam encontrar abrigo, junto com seus amigos fiéis, novelos de lã, alfinetes e agulhas, zípers, xales para a missa dominical, dedais – protetor indispensável para os alfaiates e costureiras – e toda a parafernália indispensável para os ternos e vestidos que distintos cavalheiros e recatadas damas usam hoje em dia.
A Casa Bandeirantes fechou, constata incrédulo o caminhante curitibano. Ao que parece, reuniu-se às barbatanas e aos novelos de lã no Triângulo das Bermudas em que se encontram também as canetas-tinteiro e os varões de Plutarco de antanho.
Nada de lamentar perdidas ilusões, pensa o advogado ronin. Cabeça fria. Se não há barbatanas, paciência. Às favas as barbatanas desaparecidas. Usarei minhas camisetas regata com imagens da banda Metalica. Mostrarei ao mundo meus músculos de aço. Será humilhante para os intelectuais que me lêem, mas paciência. Sou forçado pelas circunstâncias. Normalmente sou adepto do low profile, mas o que se há de fazer? Meus bíceps merecem um lugar ao sol.
Lembro da Casa Margarida, na Tobias de Macedo. Eureca! Cáspite! Barbatanas à vista! A camisa do advogado ronin apresentar-se-á em toda a sua rígida elegância, finalmente!
Percorro a Tobias de Macedo de alto a baixo, cada vez mais desconfiado e desconsolado. A Casa Margarida, ao que parece, perdeu-se no Cemitério dos Elefantes. Aquele, onde estão os Varões de Plutarco (que falta estão fazendo neste país esculhambado), as canetas Parker 51, as matinês do Cine Curitiba, onde as crianças trocavam gibis antes da sessão dupla de filmes B.
Meu amigo Apa, que encontro numa esquina suspeita, praticando um ofício ilegal, me informa que Margarida Langer, dona da Casa Margarida, há muito mudou-se para a Lapa, onde fundou uma bem-sucedida casa de saúde – o Spa Lapinha -, aonde pessoas preocupadas com a saúde se dirigem em busca de paz espiritual, e de quebra perdem o excesso adiposo. Feliz Margarida, que se dirigiu aos campos da Heroica Lapa para criar um refúgio à abilolada vida moderna.
Para fugir à melancolia, consulto o Google. Voilá! Uma dúzia de armarinhos surgem: Safira, na Praça Generoso Marques, que escapou ao meu olhar descuidado; Nodari, na José Loureiro; Armarinhos Curitiba, na Tobias de Macedo; Mariartes, na São Francisco, Swita Armarinhos, na Emiliano Perneta, e outras mais.
Anoto mentalmente para olhar com mais cuidado ao caminhar (passei por dois e não os vi, com a mente prisioneira ao passado). O caminhante cego enxerga apenas o duvidoso passado.
Uma busca na rede ao chegar em casa, e descubro que o comércio que eu supunha morto está mais vivo do que nunca. Ao tempo das mães e avós a costura e este tipo de trabalho manual (crochê, tricô, bordado) era uma necessidade doméstica. Faziam-se roupas e agasalhos em casa. Alfaiates e costureiras faziam roupas sob medida. A confecção em escala industrial – barateando os produtos – quase matou esta atividade doméstica ou artesanal. Quase.
Uma nova geração passou a se interessar por esta atividade. As roupas industriais precisam de ajustes individuais que só os artesãos podem fazer. E os jovens descobriram que, além de útil, possui um valor terapêutico. Nada mais calmante do que fazer tricô ou crochê. A indústria se reinventou. O grande parque industrial do mundo, a China, inundou o mercado com máquinas de costura versáteis e baratas. Basta consultar a Ali Express. É espantoso, como tudo que vem da China. A Singer, tradicional fabricante de máquinas de costura, se readequou aos novos tempos. E o setor de aviamentos da Ali Express, Shein, Amazon e outras oferecem milhares de produtos. Os próprios armarinhos tradicionais estão se reinventando. Alguns aderiram também às redes, oferecendo cursos diversos. A tradição, que passava oralmente de mãe para filha, e que se perdeu nos novos tempos, está sendo transmitida por mestres na Internet. Os jovens aprendem a fazer costura, crochê, tricô, bordados. Só o caminhante descuidado e passadista não viu.
A Casa Margarida funcionava na Tobias de Macedo. Em cima, a proprietária, Margarida Langer, produzia toalhas, bordados e enxovais. Isso foi antes dela se dirigir para a Lapa, onde criou o Lar Lapeano de Saúde, conhecida como Spa Lapinha, hoje uma referência internacional na área. A informação foi dada por Arthur Lacerda, um estudioso sério das coisas do Paraná. De quebra, a propriedade era de seu tio, que a alugou (ou vendeu) para Margarida Langer.










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