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Celso Nascimento: Xenofobia e antissemitismo tentaram impedir a instalação da Klabin no Paraná dos anos 1930

O projeto da Klabin encontrou resistência feroz. Além de denúncias de supostos favorecimentos pelo interventor Manoel Ribas, a campanha contra a Klabin vinha impregnada de antissemitismo. Jornais da época destacavam que os sócios Wolff Klabin e Horácio Lafer eram judeus. Para os detratores, isso bastava para tornar o investimento “indesejável”.


Se dependesse da imprensa paranaense da década de 1930 — considerando apenas os principais jornais impressos do período — a industrialização do estado dificilmente teria alcançado o grau de desenvolvimento atual. Naquele tempo, ainda vigorava a economia do mate, sustentada por um extrativismo rudimentar e por técnicas muito anteriores à revolução industrial do século XVIII. Estava longe da complexidade e do valor agregado que uma fábrica de papel poderia gerar.


Em 1934, parte da opinião pública se insurgiu contra o projeto que marcaria o início da modernização industrial do Paraná: a instalação da então nascente Klabin, no “sertão” dos Campos Gerais — a 235 quilômetros de Curitiba, acessível apenas por estradas de terra precárias. O empreendimento prometia, em poucos anos, produzir papel e celulose em escala monumental, atendendo à demanda interna e ao mercado externo.


Mas o projeto encontrou resistência feroz. Além de denúncias de supostos favorecimentos concedidos pelo interventor Manoel Ribas, a campanha contra a Klabin vinha impregnada de antissemitismo — ideologia racista em ascensão no mundo desde a chegada de Hitler ao poder, em 1933. Jornais da época destacavam, com preconceito, que os sócios Wolff Klabin e Horácio Lafer (este, deputado federal por São Paulo e futuro ministro da Fazenda de Getúlio Vargas) eram judeus, filhos de famílias imigrantes da Lituânia e da Itália chegados ao Brasil em fins do século 19. Para os detratores, isso bastava para tornar o investimento “indesejável”.


Um dos exemplos mais escancarados desse preconceito veio do Diário da Tarde, que ironizou a visita dos empresários ao interior, em tom de deboche abertamente antissemita:


“O trem especial de Ponta Grossa levará amanhã os senhores judeus industriais até o sertão de Tibagi, para verem o que compraram por preço de banana.”(Diário da Tarde, 1934)


A nota, publicada sob aparência de humor, condensava o clima de desconfiança e xenofobia que permeava parte da imprensa e da elite local, incapazes de ver na chegada dos Klabin e Lafer mais do que uma “invasão estrangeira” em solo paranaense.


A imprensa dividida


Enquanto os jornais governistas, como O Dia e Gazeta do Povo, defendiam o empreendimento, os combativos Diário da Tarde e Correio do Paraná — os mais influentes da época — denunciavam uma “negociata” pela qual o Banco do Estado teria vendido, com beneplácito de Ribas, a fazenda Monte Alegre, uma área de 143 mil hectares (quase quatro vezes o tamanho de Curitiba), coberta por cerca de oito milhões de pinheiros-araucária.


O imóvel pertencera à Companhia Agrícola e Florestal Monte Alegre, que o perdera por dívidas com o Banco do Estado. Levado a leilão, foi arrematado pela Klabin & Irmãos, fabricante e única fornecedora nacional de papel para livros didáticos, instalada no interior de São Paulo.


O preço da polêmica


O lance vencedor foi de 7 mil contos de réis, a serem pagos em longuíssimas prestações mensais de 50 mil réis — valor que, convertido hoje, equivaleria a cerca de 120 apartamentos populares do programa Minha Casa, Minha Vida.


A imprensa de oposição viu na quantia uma “ninharia suspeita”, argumentando que, além da terra nua, havia a floresta valiosíssima — sem falar dos diamantes e do ouro supostamente garimpáveis no leito do rio Tibagi, que cortava a fazenda.


Em editorial de 15 de julho de 1935, o Correio do Paraná destilava antissemitismo explícito:


“O rei dos semitas no Brasil é negociante, como toda a gente de sua raça. Através de Horacio Lafer, o seu mentor bem querido, lobrigou cousas do arco da velha no Paraná e para cá voltou suas vistas, sendo bem sucedido no seu golpe magistral. Conluiou-se com o grand monde da pouca vergonha e zás, enguliu para si e para elle o grande immovel Monte Alegre.”


Maneco Facão se defende


O interventor Manoel Ribas, o popular Maneco Facão,  foi acusado de favorecer indevidamente a Klabin


O interventor Manoel Ribas — conhecido como Maneco Facão por seu temperamento intempestivo — reagiu. Recusou-se a falar à imprensa oposicionista, mas concedeu entrevista ao O Dia, em 13 de dezembro de 1934, defendendo sua decisão:


“Eu lhe digo uma coisa: si as condições do nosso Estado fossem melhores, o que devíamos fazer era darmos gratuitamente esse imóvel à companhia, e não a troco de alguns milhares de contos, taes os benefícios que nos advirão dos colossaes empreendimentos que Klabin e Cia. levarão a cabo naquella rica região.”


Segundo Ribas, as terras não valiam mais que 2.583 contos, menos da metade do valor pago, e, portanto, “não havia razão para tanta celeuma”.


Havia uma razão política para tanto empenho do Manoel Ribas. Nomeado por Getúlio Vargas como interventor no Paraná em 1932, ele na verdade obedecia a um desejo do presidente de levar o Brasil à autossuficiência na produção de papel. Getúlio pediu ao amigo Assis Chateaubriand – o jornalista que viria a constituir os Diários Associados – que indicasse uma empresa que quisesse ou pudesse erguer a sonhada indústria. Chateaubriand indicou a Klabin & Lafer, que já tocava uma pequena fábrica no interior de São Paulo.


Getúlio Vargas foi o grande artífice da implantação da Klabin no Paraná.

Deu certo. Tanto que, quase 20 anos depois e já eleito presidente constitucional do Brasil, Getulio fez questão de vir a Monte Alegre para conhecer a indústria. Maneco Facão não presenciou a visita presidencial nem recebeu cumprimentos pelo “dever cumprido”: havia morrido em 1946, pouco depois de deixar a interventoria, cargo que ocupou ao longo de 13 anos.


Das suspeitas ao sucesso


Se houve ou não favorecimento na compra da Monte Alegre, o tempo tratou de sepultar a controvérsia. Mas os jornais voltaram à carga em 1941, quando a Klabin obteve junto a um banco suíço um empréstimo de 75 mil contos, dando como garantia os 8 milhões de pinheiros nativos da fazenda. Como explicar — questionavam — que a mesma floresta servisse de garantia a um valor mais de dez vezes superior ao preço pago por toda a propriedade?


Melhor deixar a dúvida repousar na história. O fato é que os frutos renderam muito mais.


Grande parte dos pinheiros originais foi consumida pelas máquinas fumegantes e substituída por plantios de eucalipto e pinus, que hoje ocupam cerca de 270 mil hectares. As outrora contestadas indústrias de Klabin e Lafer, de Monte Alegre (atual Telêmaco Borba), colocam o Brasil entre os dez maiores produtores e recicladores de papel e celulose do mundo.


Em 2024, a receita bruta do grupo ultrapassou R$ 25 bilhões (sem discriminação da unidade paranaense), e em 2025 estão sendo aplicados R$ 2 bilhões em modernização.


Os jornais que antes vociferavam contra a “negociata” acabaram, ironicamente, dependendo do papel da Klabin para circular. Eles desapareceram. A Klabin, não.


E talvez o velho Maneco Facão, turrão mas visionário, tivesse razão: no fim das contas, sua aposta foi profética.


Celso Nascimento

(Fotos: Divulgação da empresa)


O jornalista Celso Nascimento narra a oposição antissemita à implantação da Klabin no Paraná.

Celso Nascimento, jornalista emérito, ganhou a vida graças ao papel da Klabin e à visão de Maneco Facão e Getúlio Vargas.

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