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Arthur de Lacerda Neto

CORONEL JOAQUIM LACERDA


Chefe político na Lapa, sob suas ordens e graças a seu prestígio pessoal serviram cerca de 600 combatentes, mais da metade de todo o efetivo de que Carneiro dispôs de começo.


Arthur Virmond de Lacerda Neto

Joaquim Lacerda, imagem de Polícia Militar do Paraná.

Enquanto o coronel Antônio Ernesto Gomes Carneiro foi o chefe primaz da resistência da Lapa, Joaquim Resende Correia de Lacerda (Quinco de alcunha) foi o segundo principal chefe da mesma resistência e importante colaborador daquele.

Lacerda era natural da própria Lapa, onde nasceu em 1845 e em que foi chefe político, comerciante e ervateiro. Pertenceu-lhe o engenho de mate Santo Antonio, ocupado pelos maragatos durante o cerco de 1894. Em seu solar (hoje Museu Casa Lacerda) assinou-se a capitulação da Lapa, aos 11 de fevereiro de 1894, após a qual foi saqueado e depredado pelos maragatos, que lhe partiram os tampos marmóreos das mesas, furtaram vestuário e as pinturas que Lacerda realizara, aluno que fora do miniaturista Frederico Guilherme Virmond.


Chefe político na Lapa, sob suas ordens e graças a seu prestígio pessoal serviram cerca de 600 combatentes, mais da metade de todo o efetivo de que Carneiro dispôs de começo. Comandou a 2ª brigada durante a resistência e, após o traspasse de Carneiro, assumiu de facto o comando da praça, embora ele coubesse de direito ao coronel Serra Martins.


Decreto de Floriano Peixoto de 5 de agosto de 1894 resultou na emissão de carta patente (de 14 de novembro do mesmo ano) em que (já coronel da Guarda Nacional) se lhe confere o posto de coronel do Exército “pelos relevantes serviços prestados com valor no sítio da Lapa em defesa da República."



Casa Lacerda, local onde se assinou a rendição da Lapa, imagem de Wikipedia.


Após a revolução, foi eleito senador em 1897, cargo que exerceu. Faleceu em 1905.


De Joaquim Lacerda contam-se anedotas que o singularizam, de que eis algumas:


Dois mancebos lapeanos apresentaram-lhe, em exemplar manuscrito, gazeta da feitura dos próprios, ao que ele comentou-lhes:

— Muito bem, meus amiguinhos ! Muito bem. É assim mesmo que a gente começa. Felicito-os pela ideia... E olhem: preparem toda a matéria para o 2º número de “A Infância” que eu o mandarei imprimir por minha conta.

Foi impresso nas oficinas da folha A República, em Curitiba. Para a impressão de número subsequente, ele emprestou aos editores 17$500, débito de cuja existência relembrou-os repetidamente e que eles reembolsaram-lhe em prestações graças à venda de frutas. No dia em que lho quitaram de todo, Lacerda presenteou-os com livros, almanaques e revistas no valor de cerca do triplo dele: foi forma de recompensá-los por sua retidão e senso de compromisso, porquanto poderia haver patrocinado gratuitamente a segunda edição e até haver-lhes remido a dívida.


Quando afilhados seus pediam-lhe a benção, ele dava-lhas:

— Eu te abençoo em nome do papa Alexandre VI e da família real.


Anualmente recebia muitos calendários, folhinhas Laemmert, revistas nacionais e metecas, gazetas ilustradas, o Almanaque Luso Brasileiro, em caixotes vários de atraentes publicações e novidades, que distribuía para conhecidos seus, compadres e políticos.


Na Lapa gozava de primazia em tudo: as procissões religiosas costumeiramente passavam-lhe pela casa; nas congadas, efetuava-se a primeira dança defronte da igreja matriz e a segunda, defronte da sua, com comes e bebes que ele oferecia fartamente.


Quase tudo quanto se dava na Lapa era-lhe participado: a qualquer casamento de amigos, batizado, óbito de que lho fizessem, agradecia com cartão de visita envolto, muita vez, com cédulas de 50 ou 100 réis, até de valor superior, consoante a necessidade do participante ou sua qualidade como amigo seu.


Era alegre e jovial, de risada fácil, franco no que dizia, em respostas que dava, e até desdenhoso de (certas) convenções sociais.

Ao chegar ao senado, indagou-lhe ao porteiro:

— Quantas bestas já chegaram ?

— Com V. Excia., vinte e três.

E riu-se fartamente.


Em 1904, os filhos do general Carneiro, inumado na Lapa, resolveram buscar a ossada de seu ilustre pai; Lacerda não consentiu em que a levassem e até, por algum tempo, guardou-a em sua própria residência. Afinal, com a ereção do Panteão dos Herois, Carneiro e Lacerda jazem no mesmo cívico monumento.


Praticava um tipo de maldade: cortava os barbantes das pipas, quando empinadas; depois de que o menino seu proprietário pranteava-se e lamentava-se, Joaquim Lacerda dizia a seu irmão Manuel José (Duca, de alcunha, seu sócio em venda de armarinhos):

— Ó Duca, dê aí papel, linha e polvilho para o pequeno fazer outro papagaio.


Em seus seis meses finais, agonizou de tumor no reto; em momentos de abatimento, lamentava-se:

— Eu devia ter morrido no cerco...


Também a Joaquim Lacerda se deve a epopeia da Lapa em 1894: parte considerável do contingente que resistiu foi por ele arregimentado, em relação de fidelidade pessoal e política, motivo por que, sem ele, a resistência durara muito menos do que 29 de dias de cerco incompleto, 28 de combate e 26 de sítio total.


É notável que alguém alcançasse o ponto de prestígio que granjeou na Lapa, onde foi maioral: há psicologias individuais, formas de ser, de estar, de relacionar-se, que distinguem certas pessoas e que as fazem sobrelevar o vulgo, o homem comum: foi-lhe o caso, cuja singularidade esteve na consideração e no prestígio de que usufruiu em seu meio e, na emergência do cerco, na fidelidade a ele, de quantos se bateram principalmente por sua causa ou por ele movidos.


Manuel José Correia de Lacerda (Duca de hipocorístico), era-lhe irmão e foi escrevente da ata de capitulação da Lapa. Como seu irmão Joaquim, era alegre e jovial, e carinhoso com seus filhos, caracteres de que deixou memória entre alguns de seus descendentes. Quando sua filha Carlinda abalou da Lapa (para radicar-se na cidade de São Paulo), recém-casada com o mercador português Joaquim da Silva Araújo, os familiares dela (dentre quem seu genitor) foram despedir-se de ambos na estação ferroviária da Lapa, em que, em dado instante, eis que Manuel José desaparece. Foram encontrá-lo, nos fundos da estação, sentado no chão, a chorar...


Na década de 1910, ele conduziu vários meninos para o Colégio Militar de Barbacena, dentre eles seu filho Flávio e os filhos de Vicente Machado; hospedaram-se em hotel na avenida Rio Branco, na cidade do Rio de Janeiro, onde, na calçada, ele parolou com um cego, que o reconheceu anos depois, pela voz.


Um dos filhos de Manuel José foi o reitor Flávio Suplicy de Lacerda; uma de suas filhas foi Marília de Lacerda Carneiro, mulher do historiador David Antônio da Silva Carneiro (sem parentesco com o general Gomes Carneiro).

Da gente Lacerda combateram na resistência, também: João José Correia de Lacerda (irmão de Joaquim e de Manuel José), José Lacerda (filho de Joaquim). Também Manuel Correia de Lacerda (vulgo Puri) e Leocádio Correia de Lacerda (Dico de alcunha); Augusto Correia de Lacerda integrou o contingente remetido para combater em São Mateus do Sul, de regresso de onde já não pode tornar à Lapa, então sitiada; eram irmãos entre si e sobrinhos de Joaquim, filhos de Manuel Correia de Lacerda (Lacerdinha de alcunha) e de Maria Rita Correia de Lacerda (irmã do coronel Joaquim), cuja residência também foi saqueada após a rendição da Lapa.


FONTES:

*Anedotário de Joaquim Lacerda:

Sangue e bravura, de Manuel Leocádio Machado.

Apontamentos Biográficos do Cel. Joaquim de Rezende Correia de Lacerda, de David Carneiro.

*Sobre Manuel José Correia de Lacerda: testemunhos de Marília de Lacerda Carneiro e de David Carneiro, o moço (filho do historiador homônimo).




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