Chiquinha Gonzaga e Nair de Teffé cortaram a jaca. A plateia pede bis até hoje.
Imagem de Exame.
Abre alas, de Chiquinha Gonzaga, é uma presença permanente no carnaval. Não há bloco de rua que não a cante. Virou hino. Já a Corta-Jaca, embora uma canção belíssima, ficou mais conhecida graças à polêmica criada pela sua apresentação na festa presidencial da Primeira-Dama Nair de Teffé, casada com o presidente Hermes da Fonseca. Nair se propôs a trazer a música popular (e o violão) para os salões presidenciais. Foi um escândalo, que motivou discurso de Ruy Barbosa no Senado. Ele disse, com a perspicácia característica dos retóricos da República Velha:
“A mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba. Mas nas recepções presidenciais o corta-jaca é executado com todas as honras de música de Wagner”.
Que gafe, velho Ruy. Que gafe.
O presidente Hermes da Fonseca era conhecido por ser pouco inteligente. Mas era o presidente da República (Ruy perdeu a eleição para ele. Uma eleição roubada, como todas da época, mas... Hermes ganhou). E viúvo, Hermes da Fonseca casou com uma garota que tinha a metade de sua idade.
Imagem de BBC.
Nair de Teffé foi a primeira cartunista do Brasil, provavelmente do mundo. Rica, inteligente, bonita, e amiga das artes. Podia escolher quem quisesse.
“Neste mundo de misérias/Quem impera é quem é mais folgazão/É quem sabe cortar a jaca nos requebros/De suprema perfeição, perfeição”
A sexualidade da canção se denota mais explicitamente em uma outra letra, de autoria de Tito Martins e Bandeira de Gouvêa:
“A jaca sou mui leitosa e gostosa/Que dá gosto de talhar.../Sou a jaca saborosa que amorosa/Faca está a reclamar para cortar!”
Hermes cortou a jaca. E, pelas fotografias, que bela jaca.
Quem era burro, afinal?
Chiquinha Gonzaga era outra folgazã. Em um mundo de machos ignorantes ela conquistou seu lugar a duras penas. Em uma de suas canções mais belas, uma modinha, ela chorava: “Oh, lua branca de fulgores de encanto/Se é verdade que ao amor tu dás abrigo/Oh, vem tirar dos olhos meus o pranto/Oh, vem matar essa paixão que anda comigo”.
Paixão amorosa, é claro. Chiquinha era uma mulher que não fugia de seus desejos. Mas também paixão pela música, que o primeiro marido tentou reprimir. Para seguir seus desejos, sexuais e artísticos, Chiquinha afrontou a boa sociedade da época, os ruybarbosas que viam a dança e a música popular como baixas e chulas. Sexo, então, nem pensar.
Chiquinha e Nair cortaram a jaca.
Vadiando pelo Youtube, reencontro a cantora Lysia Condé, cantando Corta-Jaca. O vídeo foi gravado quando do lançamento do CD, em 2014. Lá se vão dez anos. Por onde anda Lysia? Não sei. Sei que ela continua encantando as platéias, graças à imortalidade promovida pelo Youtube. Não precisava dizer, mas vou dizer. Esta crônica é para ser lida ouvindo Chiquinha Gonzaga. Todas as canções citadas foram gravadas e regravadas, e estão disponíveis nos streamings.
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