CELSO NASCIMENTO: EU VI SÉRGIO MACACO COMER UM BESOURO
- Redação

- 14 de set.
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Atualizado: 15 de set.
Celso Nascimento

O general João Francisco Moreira Couto tomara posse no comando da 5.ª Região Militar em janeiro de 1967. No mês seguinte embarcou num velho Beechcraft da FAB e viajou para o interior de Santa Catarina na companhia da mulher, da sogra e de alguns oficiais. Não chegou ao destino: enfrentando mau tempo, o avião bateu num morro já quase perto do destino. Ninguém sobreviveu.
O problema maior, após constatado o desaparecimento do avião, veterano da Segunda Guerra, era chegar ao impreciso e quase inacessível local da queda. Equipes de busca das polícias militares do Paraná e Santa Catarina chegaram a desistir da tarefa dadas as dificuldades que enfrentavam e que consideravam insuperáveis.
Como recurso quase final, foi chamado o Para-Sar – um esquadrão de paraquedistas da Aeronáutica altamente especializado em sobrevivência na selva e resgates. Comandada pelo capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho – o Sérgio Macaco -, a equipe fez da Base Aérea de Curitiba o centro de suas operações. Todas as manhãs, por vários dias, os paraquedistas tomavam seus aviões e partiam para as missões de busca. No fim da tarde, sem alcançar resultado, voltavam à Base e descansavam no “cassino dos oficiais” – uma espécie de bar e restaurante onde bebericavam e trocavam ideias preparatórias para retomar as buscas no dia seguinte.

Era fevereiro e os dias daquele verão eram ainda quentes em Curitiba. Janelas abertas convidavam borboletas, mariposas, besouros e outros insetos a invadir o cassino. Como repórter eu estava lá para ouvir os relatos – e pude, numa dessas ocasiões, presenciar o inusitado: um besouro pousou no prato do capitão Sérgio Macaco, que não teve dúvidas: pegou-o, levou-o à boca, mastigou bem e engoliu o inseto cascudo!
Foi assim que conheci este militar que no ano seguinte, em 1968, liderou um movimento rebelde na Aeronáutica para evitar o que teria sido o mais sangrento episódio de terrorismo e repressão engendrado pela ditadura.
Em 1968, um ano após a presença dele em Curitiba como chefe das buscas ao avião do comandante da 5ª Região Militar, o capitão Sérgio Macaco foi chamado pelo brigadeiro João Paulo Burnier, expoente da linha dura do regime, para cumprir uma missão terrível – explodir o gasômetro do Rio de Janeiro e dinamitar uma represa. Data e hora do atentado já estavam definidos: seria em dia útil e na hora do rush. Estimava-se que pelo menos 10 mil pessoas seriam mortas. O plano era, depois, jogar a culpa nos comunistas e conquistar o apoio da opinião pública para o endurecimento do regime.
O capitão não apenas se recusou a assumir a missão como, em resposta a Burnier, disse que relataria os fatos ao ministro.
— Não. Não concordo. E enquanto eu estiver vivo isso não acontecerá. Não me calo e darei conhecimento de tais fatos ao ministro – disse o capitão Sérgio ao brigadeiro Burnier, conforme registra a Wikipedia.
O caso chegou aos jornais e alcançou repercussão nacional.

Sérgio Macaco foi preso por desobediência e rebeldia e, com ele, outros sete companheiros do esquadrão de elite que comandava. Em dezembro do mesmo ano, o Ato Institucional número 5 (AI-5) cassou-lhe não apenas os direitos políticos como também o expulsou dos quadros da Aeronáutica.
Sua resistência foi reconhecida anos mais tarde, após a redemocratização, quando teve seu nome incluído no memorial dos “Heróis da Pátria”. Em 1993, a Justiça lhe concedeu o direito ao retorno à Força com a patente de brigadeiro. Faltava apenas a assinatura do então presidente da República, Itamar Franco, para que a decisão judicial fosse cumprida. Itamar não assinou.
Sergio Macaco, o homem que comia besouros, morreu no ano seguinte vítima de câncer, sem receber a promoção. E só então sua família foi indenizada com a soma dos soldos a que teria direito se ele tivesse permanecido na ativa desde o dia em que, em 1968, evitou a morte de dez mil inocentes.

Celso Nascimento, jornalista.










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