Eu, você e toda uma vida

O novo K-drama da Netflix, Eu, Você e toda uma vida (You and Everything Else), com as atrizes Kim Go-Eun e Park Ji-hyun, conta a história de duas amigas de infância, seus encontros e desencontros na vida. Mas é também um desvelamento íntimo dos principais artífices do sucesso do cinema coreano: seus escritores.

Hatsuo Fukuda

A história começa com Ryu Eun-jung (interpretada por Kim Go-eun), passando o aspirador de pó no apartamento onde mora e trabalha. O telefone toca, e uma colega de trabalho pergunta se ela assistiu a premiação do Baeksung Awards, o Oscar coreano. Não, ela não tinha assistido.

Ela abre o celular e vê o discurso de aceitação de melhor filme, onde a premiada, Cheon Sang-Yeon (interpretada por Park Ji-hyun) agradece a uma pessoa que foi a inspiração de sua vida: ela, a nossa faxineira ad hoc. A premiada diz:

- Todos os trabalhos são os frutos do talento e da paixão de seus criadores. Se eu, como produtora, posso reivindicar qualquer participação no processo, gostaria de dedicar todo o crédito à pessoa que teve a maior influência na minha vida, minha cara amiga, Ryu Eun-jung.

A série, em quinze episódios, tratará do relacionamento entre estas duas personagens, agora distantes, mas que são amigas desde a escola primária e durante a vida adulta, mas que agora não se falam.

Eun-jung joga o celular na mesa e diz: “Odeio saber que você está bem”, a seguir pega o aspirador de pó e prossegue o trabalho.

Eun-jung é uma escritora e escreve roteiros para séries televisivas – aparentemente uma mulher de sucesso – e está a procura de um novo tema. Ela e sua colega de trabalho estão vasculhando as bibliotecas procurando assuntos que possam ser utilizados em uma nova série, mas a busca tem sido infrutífera.

- Procurei em bibliotecas inteiras, mas nada chamou minha atenção.

A amiga pergunta qual a história atrás dos laços cortados entre Eun-jung e Sang-yeon, que sorri, e imediatamente pergunta:

 - Funcionaria como roteiro?

Sim, é claro que funcionaria como roteiro para uma minissérie coreana, começando com crianças na Elementary School e prosseguindo pela adolescência e vida adulta. Crianças fofinhas no início, adolescentes competitivos, jovens universitários em busca de seus caminhos, profissionais no início da carreira, e, claro, amores e amizades conflitantes e, cereja no bolo, um triângulo amoroso. Perfeito para atrair a patuléia.

A Coréia, que coleciona vitórias em festivais cinematográficos mundo afora – a última sendo o Oscar de melhor filme para Parasita, de Bong Joon-ho – e estonteantes sucessos no streaming – Round Six escalando como a série mais assistida na Netflix – nesta série se debruça sobre a razão de ser de seu sucesso: os escritores-roteiristas-diretores e sua busca pela alma humana. Sobre isso já escrevemos aqui, no artigo Afinal, Quem faz os filmes? O que significa desnudar a si mesmo, mas à maneira coreana: sempre com sutileza. Sempre com dubiedade, com meias verdades, com mentiras embaladas em sorrisos que atraem a simpatia da platéia. E, às vezes, nos filmes principalmente, com uma violência que faz Quentin Tarantino de Kill Bill posar de bobinho.

Os fanáticos por k-dramas estão se arrebentando nas redes, torcendo contra ou a favor da dupla (aliás, do trio) –; como não assisti todos os episódios não entro na discussão.

Ou seja, a novelinha pegou. Mas não para os macho-alfa. Se você for um, fique fora.

Kim Go-eun é uma das principais atrizes do cinema e televisão na Coréia. Ela protagonizou uma versão coreana de Little Women, de Louisa May Alcott. E ela também canta.

Na Netflix. Roteiro de Song Hye-jin, dirigido por Jo Yeong-min.  

Hatsuo Fukuda é um cinéfilo de arrabalde e gosta de séries coreanas.