Bom senso não houve. E irmão passaram a matar irmãos.
Fonte: Wikipedia
Se você estivesse na Lapa há 129 anos atrás provavelmente seria despertado, diariamente, com grandes estrondos. Com o coração sobressaltado, sua mente sonolenta demoraria alguns segundos para assimilar a situação: era o bombardeio diário que anunciava o início dos combates.
O Cerco da Lapa é, provavelmente, a página mais épica da história paranaense e certamente uma das mais heroicas. Ao longo dos 26 dias de cerco ( ou mais, conforme veremos em artigo futuro do colaborador Arthur Lacerda Neto ) houve tantos episódios de violência, coragem e sacrifício que espanta o fato de até hoje o cinema nacional não se debruçar sobre o episódio para uma superprodução que fosse digna do acontecimento. Que filme seria esse!
Entre 14 de janeiro e 11 de fevereiro de 1894 cerca de 900 homens comandados pelo Coronel Ernesto Gomes Carneiro resistiram ao ataque de aproximadamente 3.000 maragatos comandados por Gumercindo Saraiva. Os homens de Carneiro ( conhecidos por pica-paus, pela versão mais aceita, em função do penacho que enfeitava o quepe do uniforme ) entrincheiraram-se na cidade, aproveitando os prédios e as ruas estreitas do centro. Os maragatos contavam com artilharia e os canhões Krupp iniciavam intenso bombardeio no começo de cada manhã, um anúncio sombrio dos combates que o dia presenciaria.
Floriano ordenara que Carneiro resistisse na Lapa sob qualquer circunstância. Ele sabia que tinha em Carneiro um homem com fibra suficiente para resistir até o último homem. De fato, o Coronel Carneiro deve ter sido um comandante formidável, porque em poucos dias transformou as tropas que recebera de Argolo – um grupo de homens desestimulados e sem disciplina – nos duros soldados que resistiram a um cerco de 26 dias.
Irmãos em conflito
Em que pesem as paixões que a matéria ainda suscita, talvez, como em todas guerras civis, nenhum dos lados estivesse coberto de razão. Os revoltosos alicerçavam sua causa no art. 42 da Constituição Federal de 1891:
Art 42 - Se no caso de vaga, por qualquer causa, da Presidência ou Vice-Presidência, não houverem ainda decorrido dois anos do período presidencial, proceder-se-á a nova eleição.
Floriano apontava para o disposto no § 2º do art. 1º das disposições transitórias:
Art 1º - Promulgada esta Constituição, o Congresso, reunido em assembléia geral, elegerá em seguida, por maioria absoluta de votos, na primeira votação, e, se nenhum candidato a obtiver, por maioria relativa na segunda, o Presidente e o Vice-Presidente dos Estados Unidos do Brasil.
§ 1º - Esta eleição será feita em dois escrutínios distintos para o Presidente, e o Vice-Presidente respectivamente, recebendo-se e apurando-se em primeiro lugar as cédulas para Presidente, e, procedendo-se em seguida do mesmo modo para o Vice-Presidente,
§ 2º - O Presidente e o Vice-Presidente, eleitos na forma deste artigo, ocuparão a Presidência e a Vice-Presidência da República durante o primeiro período presidencial.
Entendiam, assim, que o artigo 42 aplicar-se-ia somente ao governo seguinte. Embora discutível, de uma exegese algo forçada, aparentemente se a tese de Floriano fosse equivocada, os legisladores constituintes teriam redigido um em dispositivo totalmente desnecessário e inútil, o que é inadmissível.
Assim, quando Deodoro renunciou – sem cumprir sequer um ano de mandato constitucional – Floriano, em acordo com oligarquias paulistas, resolveu cumprir o mandato inteiro como Presidente da República.
O fato desencadeou a Revolta da Armada sob a inspiração do Almirante Saldanha da Gama e a revolução que eclodiu no Sul. Entre as forças que se levantaram contra Floriano no Sul do país havia um pouco de tudo, de monarquistas a republicanos, de arrivistas a aventureiros. Gumercindo mesmo, era o resultado do caudilhismo dos pampas, acostumado às lutas entre blancos e colorados no Uruguai.
Como Floriano era refratário a qualquer negociação e tendo em vista que do outro lado não houvesse uma uniformidade de pretensão que pudesse dar legitimidade ao movimento, penso que foi uma terrível guerra civil em que ninguém tinha total razão e que talvez pudesse ter sido evitada com um pouco de bom senso. Bom senso não houve. E irmão passaram a matar irmãos.
O cerco e suas consequências
A revolução fez o país sangrar por vários anos. As páginas mais violentas de nossa história foram escritas neste período, com atrocidades e degolas de ambos lados. O Cerco da Lapa também presenciou muita violência, por certo. O uso de explosivos e os combates corpo a corpo devem ter sido algo de dantesco, pavoroso.
Em meio a todo o horror da guerra, contudo, emerge o heroísmo dos homens de Carneiro, que resistem tenazmente a um inimigo com superioridade numérica. E também a bravura dos atacantes, porque certamente era preciso coragem para se lançar contra trincheiras defendidas por homens determinados.
Ao final, Gumercindo deve ter se arrependido das decisões que tomou. Teria feito melhor em simplesmente contornar a Lapa e rumar direto para Curitiba, deixando um destacamento menor para impedir um ataque de Carneiro em sua retaguarda. Os historiadores formam consenso de que o tempo perdido para fazer a Lapa finalmente se render ( o que somente ocorreu em função da morte do Coronel Carneiro ) foi crucial para permitir a Floriano a organização de suas tropas e virar o jogo.
No período em que esteve em Curitiba, Gumercindo deve ter refletido sobre isso. De fato, Curitiba marcou o ponto máximo do avanço revolucionário. A partir de então a maré mudou, até a total derrota dos maragatos, com a morte de Gumercindo e de Saldanha. Este, uma morte inglória para um homem do mar: levou uma lançada enquanto combatia a cavalo.
Em homenagem a este fato histórico relevante da história paranaense, dialéticos.com fará alguns textos que tratam do assunto. Para tanto, contamos com o texto fácil e arguto de nossos colaboradores Hatsuo Fukuda e Arthur Lacerda Neto.
Sem observar os fatos politicos importantantissimos do castilhismo, no período que antecede o evento revolucionário, a historia permanece incompleta.
Historiadores capacitados, deveriam analisar os argumentos politicos de Silveira Martins e o ressentimento da população rural, sobretudo da fronteira do sul do Brasil.
Não pretendo demonstrar uma simpatia por algum dos lados beligerantes. Mas sim poder analisar a contextualização dos importantes eventos regionais e politicos brasileiros anteriores ao cerco da Lapa.