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Os 37 anos da Democracia Constitucional no Brasil: a Constituição resiste (e re-existe)

A professora Vera Karam de Chueiri, professora de Direito Constitucional da UFPR, primeira mulher a dirigir a Faculdade em cem anos, discute o significado da Constituição de 1988. A Constituição resiste e reexiste. Resiste porque as instituições e a sociedade a defendem; reexiste porque não se deixa esvaziar; se reinventa em novas linguagens, novos sujeitos, novas promessas.

Por Vera Karam de Chueiri


Vera Karam de Chueiri, professora de Direito Constitucional da UFPR, dispensa apresentações. Com um vasto currículo em sua vida profissional, fez mestrado e doutorado na New School for Social Research (a escola onde lecionou Hanna Arendt, entre outras darlings da intelectualidade), foi a primeira diretora da Faculdade de Direito em cem anos de história. Atualmente se dedica a desasnar estudantes do Mestrado e Doutorado da Faculdade de Direito, além de ser conselheira na Comissão de Ética Pública da Presidência da República.


Entre outras fascinantes incursões existenciais, ela foi jornalista na Folha de São Paulo. Isso significa que escreve como gente, e não como uma burocrata árida e empedernida. Vera Karam viaja pelos mares do Direito Constitucional como viaja pelos mares da vida. Aproveitem. Boa leitura.

(Redação)


Placa na Faculdade de Direito homenageando Vera Karam, a primeira diretora mulher em cem anos de história da Faculdade
Placa no prédio histórico da Faculdade de Direito da UFPR, em Curitiba, homenageando Vera Karam, primeira Diretora mulher da Faculdade de Direito, em cem anos de existência

Os 37 anos da Democracia Constitucional no Brasil: a Constituição resiste (e re-existe)


Por Vera Karam de Chueiri


No dia 5 de outubro de 1988, o Brasil promulgava uma Constituição que nascia da pluralidade política e cultural de um país cansado de viver sem democracia. Chamaram-na de “Constituição Cidadã”, e com razão: ela foi escrita por muitas mãos, vozes, rostos. Entre elas, as de Benedita da Silva, mulher, negra e favelada (como ela mesma se identifica em sua fala na constituinte), que pela primeira vez — em quase cem anos de história constitucional — inscreveu sua experiência na Constituição da República Federativa do Brasil na qualidade de deputada constituinte; e a de Ailton Krenak, que, com o rosto pintado, ao defender a pauta dos povos indígenas, a convite das/os deputadas/os constituintes lembrou estes homens de terno e gravata que a Constituição também é território indígena, corpo e ancestralidade.


Trinta e sete anos depois, celebrar a Constituição é também afirmar sua resistência. Porque desde 2016, vivemos o que chamo de “31 anos de democracia constitucional, mais 6 de desarranjos”. Isto porque durante seis anos não foram poucos os ataques à Constituição e ao que ele constitui: as instituições em geral, com destaque para o poder judiciário, especialmente o STF, as universidades, as demais instituições científicas e as pessoas que integram essas instituições. Sem falar no ataque sistemático às pessoas mais precarizadas, social e economicamente, ou seja, vivemos uma década sem tréguas para a democracia constitucional brasileira.


Mas a Constituição resiste. E resiste porque há quem a defenda — nas instituições em geral, nas que integram o sistema de justiça, nas ruas, nos corpos. Em relação às instituições de justiça, tem sido o Supremo Tribunal Federal, a que mais energia tem despendido diante das ameaças e dos ataques à nossa democracia constitucional. Para tanto, teve o STF que despender energia extra para conter o pior, garantindo a ocorrência de eleições livres e o respeito ao resultado das urnas.


Essa atuação foi fundamental para a preservação da nossa democracia constitucional, mas também cobrou um preço: o risco de confundir a supremacia da Constituição com a supremacia do Supremo. A defesa da Constituição é tarefa compartilhada. Nenhuma instituição, por mais alta, pode pretender monopólio sobre ela.


A Constituição resiste, mas precisa também re-existir. Resistir é não se deixar esvaziar; reexistir é reinventar-se em novas linguagens, novos sujeitos, novas promessas. A Constituição reexiste quando seus sentidos são atualizados pelos corpos que ela antes silenciava: mulheres, as pessoas negras, indígenas, pessoas LGBTQIAPN+, enfim, os que historicamente foram precarizados em sua existência.


Re-existir é lembrar que a Constituição não é só um texto: é uma prática, um modo de estar no mundo. Não é apenas o que está escrito, mas quem a escreve todos os dias. Por isso, cada vez que alguém tenta esvaziá-la, banalizá-la ou usá-la contra ela mesma, é preciso reativá-la — nas escolas, nas ruas, nos tribunais, nas universidades, nos gestos cotidianos de exercício da igualdade, das liberdades e da dignidade.


A Constituição de 1988 é, antes de tudo, um compromisso com a pluralidade, a justiça e o igual respeito e consideração. Como bem disse o deputado Ulysses Guimarães em seu discurso, no ato de promulgação da Constituição,



"A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim; divergir, sim; descumprir, jamais; afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério. A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia”.


Hoje, 37 anos depois (ou 31 mais 6 anos), seguimos dizendo: a Constituição resiste porque reexiste. E reexiste porque há quem, teimosamente, continue a acreditar que democracia não é dádiva, mas construção — frágil, cotidiana e sempre inacabada.


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Vera Karam de Chueiri, professora de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UFPR, foi a primeira mulher diretora da Faculdade em cem anos de existência.

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