JANE AUSTEN FAZ 250 ANOS MAIS ATUAL DO QUE NUNCA
- Hatsuo Fukuda

- há 3 minutos
- 5 min de leitura

Como este redator se dedica preferencialmente a abobrinhas e hortaliças em geral, não vamos discutir as razões pelas quais consideramos Jane Austen uma das maiores escritoras de todos os tempos. Deixemos as coisas sérias para os acadêmicos e especialistas na matéria negra que é a especialidade francesa. Este é um prato sofisticado demais para frequentadores de botequim como eu.

Após a undécima leitura de Orgulho e Preconceito, na qual, como sempre, descobri pasmo que o romance continua íntegro e cada vez mais divertido, dediquei algumas horas a folhear a biografia de Jane Austen escrita por Claire Tomalin. Tarefa difícil a dela, pois a vida da escritora, como aliás de quase todos os escritores, não daria um livro que preste, muito menos um filme ou uma minissérie. Afinal, o ofício de escritores normalmente é exercido em escrivaninhas. Não há lugar para aventuras nas escrivaninhas, exceto aquelas inventadas pelo escritor. Mas Claire nos dá uma visão abrangente e detalhada da vida rural inglesa no Século XVIII, acrescentando muito ao leitor de Austen. Vale a compra.
As vidas dos escritores poderiam se resumir assim: nasceu, viveu, morreu. Acorrentado a uma mesa de trabalho. The End. Uma história que só não é tediosa por ser breve.

Há exceções notáveis. Lawrence da Arábia - Thomas Edward Lawrence, um grande escritor – um dos maiores da língua inglesa – teve uma vida fabulosamente rica em acontecimentos interessantes e importantes. Os Sete Pilares da Sabedoria não é apenas um grande livro, escrito com maestria, mas também conta a vida aventureira do autor. É de cair o queixo do caboclinho de Catanduva e de todos que se deliciam com os filmes da Marvel.
No caso de Jane Austen, a tarefa do biógrafo é agravada pelo fato que boa parte de sua correspondência foi destruída por seus parentes, preocupados em preservar sua imagem. A principal fonte de pesquisa de sua vida, que seriam suas cartas, se perdeu. Isso aconteceu também com Richard Burton, outro fabuloso aventureiro e grande escritor, cuja puritana esposa, Isabel, preocupada com o que pensariam os pósteros de seu marido (bêbado, frequentador de lupanares e dado a prazeres lúbricos como traduzir o Kama Sutra) queimou uma enorme quantidade de documentos que seriam a alegria dos biógrafos e um deleite para os leitores-voyeurs.
Triste sina a do biógrafo.
Os duzentos e cinquenta anos de Jane Austen valem uma missa (ela nasceu em 16 de dezembro de 1775). A filha solteirona de um clérigo do campo, que morreu com 41 anos, que levou uma vida restrita à família, vizinhos e parentes, pouco viajada, possuía um gênio literário que a permitiu atravessar todos estes anos ainda melhor do que quando lançou seu primeiro livro, assinado anonimamente “By a Lady”.
Há uma idéia difusa - e totalmente equivocada - que Austen é literatura feminina. No filme Mensagem para Você, de Nora Ephron, o personagem de Tom Hanks se entedia lendo Jane Austen, autora que seu par romântico, Meg Ryan, tem como objeto de adoração. Em outro filme, Sintonia de Amor – dela também - as mulheres adoram Love Affair, de Leo McCarey, e os homens (Tom Hanks e outro) gostam de filmes de guerra. Nora Ephron, penso eu, acha que há um abismo de sensibilidades entre homens e mulheres. Mulheres são Vênus, homens são Marte. É isso, amiga. É?
As narrativas são sempre as mesmas. Em Orgulho e Preconceito, a abertura define tudo:
“É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, possuidor de uma boa fortuna, deve estar necessitado de esposa”.
Literatura para moças casadoiras, para ser lido nos serões familiares, ao redor da lareira, nas noites frias de inverno, enquanto não chega o celular, o streaming, o WhatsApp e todo o aparato que embrutece a humanidade contemporânea. Odiosamente feminina, na aparência. Machos acostumados a cuspir nos tapetes, adeptos da cerveja, churrasco e mulher, não perdem tempo com este tipo de baboseira.
No entanto, duzentos e cinquenta anos se passaram, e a bem-humorada e implacável solteirona continua atual como se fosse uma série da Netflix. Aliás, façam uma pesquisa na Amazon.com e vejam os produtos inspirados por ela. A coleção é imensa, começando por copos de uísque com a frase clássica e canecas de café, seguindo por camisetas, bolsas, velas aromáticas, caixas, e claro, livros, filmes e minisséries.
Uma avalanche de comentários críticos aos livros, resenhas de filmes, corre nos veículos de mídia. O melhor Mr. Darcy? Cartas ao New York Times.
Festival Jane Austen? Reserve suas passagens. Os fãs vão se deliciar vestindo roupas e frequentando ambientes do final do século XVIII. Trends na mídia? Tem. A multidão de austenmaníacos usa a internet e colhe os momentos mais improváveis dos filmes e das séries, levando-os ao trending topics.
Aqui no Bananal, podemos tirar uma casquinha. O engenheiro Thomas P. Bigg Wither, que por aqui passou em 1872, trabalhando num projeto de ferrovia, e nos deu um belo livro, Novo Caminho no Brasil Meridional: a Província do Paraná, era neto de Harris Bigg-Wither, que, na juventude (tinha 21 anos) propôs casamento a Jane Austen, então vinte e sete. A única proposta de casamento conhecida. Harris era um homem rico (como Mr. Darcy) e num primeiro momento, Jane aceitou. No dia seguinte, rejeitou a oferta, como Elizabeth Bennet fez com Mr. Darcy. Sobre o tema, Jane, muitos anos depois, escreveu para sua sobrinha, Fanny:
“Nada pode ser comparado à miséria de casar sem amor.”
Ela era, afinal, Jane Austen. Não se casaria por necessidade ou cobiça.
Podemos fantasiar um pouco. Jane casa com Harris e tem um filho com ele. Visita o Paraná e entra em contato com o que se chamava sociedade curitibana. Que livro delicioso ela escreveria. Orgulho e Preconceito em Curitiba.
Saiam de baixo.
Mas não, isso não seria necessário. Duzentos anos depois, Dalton Trevisan se encarregou de demolir a sociedade curitibana. Mas ele permanecerá pelos próximos duzentos e cinquenta anos, como Jane Austen?
Cartas à redação.
(Hatsuo Fukuda)

Hatsuo Fukuda é um fã confesso de Jane Austen e como todos os fãs, deve ter lido dezenas de vezes Orgulho e Preconceito e os demais livros dela.










Comentários